Data Publicação: 16/11/2022
Redação: COMUNICAÇÃO - SPDM/PAIS
Um homem e uma mulher se conhecem, reconhecem afinidades um no outro, se tornam amigos, compartilham momentos diversos e, um dia, se descobrem apaixonados. Começam a namorar, a paixão vira amor e decidem se casar. Pode parecer só mais uma história entre tantas, não fosse pela realidade dos integrantes que compõem o casal. Dina de Lima e Jorge Alves passaram grande parte da vida internados em manicômios por conta de transtornos mentais graves e persistentes.
Com o fechamento dessas instituições após a reforma psiquiátrica*, ambos passaram a morar em Serviços Residências Terapêuticos (SRTs), serviços do SUS voltados para o acolhimento de pessoas na mesma situação de Dina e Jorge e que, portanto, não têm condições de voltar para a família ou para a sociedade sem o devido acompanhamento profissional.
Nas SRTs, os moradores são acompanhados 24 horas por dia por Acompanhantes Comunitários e passam por tratamento com uma equipe multiprofissional no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) de referência. Tanto na casa quanto no CAPS, diferente do que vivenciavam nos hospitais psiquiátricos, os usuários são incentivados a resgatar sua identidade, desenvolver sua autonomia e retomar as rédeas da própria história - o que se tornou verdade na vida de Dina e Jorge, que se conheceram no início de 2020 e se casaram em 7 de outubro de 2022.
Eles moram nos SRTs Pirituba/Jaraguá III e IV respectivamente, e se conheceram no CAPS Adulto III Pirituba/Jaraguá, onde ambos realizam tratamento. Entre uma atividade terapêutica e outra, a convivência se intensificou e surgiu uma amizade - que se fortaleceu e virou namoro, com o apoio e incentivo das equipes.
"Me recordo de ter organizado a mesa e o cardápio após ter sido avisada por uma das coordenadoras [do SRT] que eles escolheram fazer o primeiro date lá no CAPS, por se sentirem em um espaço seguro. Fiz o pedido e me lembro como se fosse ontem: ambos decidiram pedir um prato feito de arroz, feijão, carne e batatas fritas", relembra Ana Carolina Faria, psicóloga do CAPS Adulto III Pirituba/Jaraguá.
E assim, o jogo da conquista começou: "Jorge levou um presente perfumado para a Diná, sempre gostou de agradá-la e tratá-la com respeito. Diná sempre retribuiu com muito cuidado e carinho", relata Ana.
Os encontros ficaram frequentes e passaram a acontecer não só no CAPS, mas também nas respectivas residências e em passeios fora do serviço. Naturalmente, o namoro foi evoluindo e o casal manifestou o desejo de formalizar a relação com uma festa de casamento.
O desejo foi recebido com entusiasmo pela equipe, que planejou cada detalhe do evento sempre consultando os então noivos: desde a lista de convidados e a escolha do cardápio até a decoração do local e o modelo do bolo cenográfico.
"Esse olhar para o cuidado da saúde mental vai muito além da tomada correta das medicações, [e envolve] melhoria da qualidade de vida, fortalecimento do protagonismo e estímulo a uma vida cada vez mais autônoma. [Jorge e Dina] como moradores de um serviço residencial terapêutico viveram a maior parte da vida internados em manicômios, hospitais psiquiátricos pela vida inteira, tendo seus direitos muitas vezes silenciados e excluídos, podendo agora, ter a oportunidade de vivenciar uma vida extramuros. Uma vida com-pa(r)-t(r)ilhada", comenta Ana Carolina.
O grande dia chegou, com direito a vestido branco, maquiagem e penteado para ela e terno para ele - tudo escolhido a dedo por ambos. Após uma cerimônia simbólica conduzida pela coordenadora do SRT Pirituba/Jaraguá IV, Stephanie Meirelles, e com a presença de 60 convidados entre amigos e profissionais dos SRTs, CAPS e SMS, os recém-casados selaram a união com o clássico "pode beijar a noiva".
"Falamos aqui de pessoas que foram por muitos anos privadas de sua liberdade, e que através do cuidado humanizado puderam externar seus sentimentos e vivenciar novas experiências. Todo o projeto do casamento foi sustentado pelas equipes de cuidado em Saúde Mental, chegando assim ao objetivo final que era viabilizar a união de ambos. Este é um marco na história da Saúde Mental, pois por cultura, há alguns anos esses pacientes não tinham seus desejos validados, viviam privados de liberdade e sem exercerem sua cidadania com plenitude", ressalta Marcelle Ré, gerente do CAPS Adulto III Pirituba/Jaraguá.
Além de ser um momento marcante para os profissionais e usuários da Saúde Mental, a união de Jorge e Dina promove, individualmente, reflexões e aprendizados a respeito da busca pelo autoconhecimento, autodesenvolvimento e pela almejada felicidade a dois. "A simplicidade e sinceridade é o forte desse casal, fortaleza essa que está cada vez mais edificada. Aprendemos muito com eles e seguimos aprendendo", conclui a coordenadora Stephanie.
Os SRTs e o CAPS citados são serviços da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo gerenciados em parceria com a SPDM/PAIS, Organização Social de Saúde.
*Em resumo, a reforma psiquiátrica defende a substituição das internações compulsórias de pessoas em sofrimento psíquico para o tratamento em liberdade, promovendo sua busca por autonomia e uma participação ativa na sociedade.